quarta-feira, 15 de maio de 2013

A VIA PURGATIVA EM SÃO JOÃO DA CRUZ

Izaias  da Silva
Seminário Maria Mater Ecclesiae do Brasil




Para compreender a via purgativa de São João da Cruz, ou seja, essa via inicial da alma; um caminho de purificação dos sentidos, dos maus desejos, das vontades que nos levam a nos afastar do nosso principio original; que é a imagem e semelhança de Deus. Não se pode deixar de lado um pouco de sua história marcada pela dor e sofrimento.

Ao adentrar no inesperado da fé que conduz cada homem a experimentar o grande e misterioso poder de Deus que não tritura o homem, mas com um amor e delicadeza vai norteando o homem à verdadeira liberdade. “São João da Cruz é um místico amadurecido no sol do sofrimento, provado por Deus através de noites da fé; não compreendido pelos homens” (1). De fato, um caminho de luta para alcançar a perfeição, de um processo a se assemelhar com Cristo sempre foi e será incompreensível aos olhos humanos. Mas, que cada um trás a impressão da experiência. Assim, não se deixa subjugar-se pelas propostas ou aterroriza-se pelo futuro que muitas vezes nos trás a dor e o sofrimento. São João da Cruz conheceu uma infância marcada pela pobreza e miséria. Os seus pés descalços, suas roupas remendadas e, algumas vezes, o grande silêncio da fome levava-o bem cedo a uma cruel realidade da vida. “Uma existência breve (49 anos), aparentemente pobre de acontecimentos que podem suscitar curiosidade ou chamar atenção... É na monotonia da vida, nas feridas abertas pelas incompreensões, que desabrocha a santidade do primeiro Carmelita Descalço, severo e exigente consigo mesmo, terno e delicado com os que o circundam” (2).

          Tudo o que São João da Cruz passou, sofreu; não lhe causou nenhum complexo de inferioridade, apesar dos sofrimentos, uma vida mesquinha, uma vida marcada até mesmo pela fome, mas que soube unir todo o seu sofrimento ao sofrimento de Cristo, apreendeu por meio das dores a amar a Cristo. “João sempre viveu a pobreza, a fome e a humilhação sob o exemplo da família, cristãmente. Inteligente e atento como ele era, não precisou de muitas palavras para compreender que a existência, diante, da eternidade, era, como mais tarde diria Teresa de Ávila, uma noite passada em má hospedaria. Lera isto, muito cedo, nos olhos úmidos de sua mãe, quando, na igreja paroquial de Fortiveros, via-a diante do Crucificado, na mesma atitude de Nossa Senhora aos pés da cruz”(3).
          
Os fatos e acontecimentos da vida desse grande Santo, nós percebemos o desapego das coisas do mundo e de si mesmo, pra ele essa vida era puramente passageira e sem sentido; que encontrará o sentido de todo o seu sofrimento na cruz de Cristo, que sofreu para dar o céu a todos. Deus sempre usa das coisas mundanas para transformar o homem, pois, Ele tendo usado de toda a história para transformar no jovem João em um homem completamente maduro voltado para os tesouros eternos e que duram para sempre. Tendo em mente em servir somente a Deus, não podendo servir aos tesouros do mundo que são passageiros, de fato, não deve misturar os tesouros incorruptíveis dos céus com os tesouros corruptíveis do mundo.

          “Para explicar e fazer compreender a noite escura pela qual passa a alma, antes de chegar à divina luz da perfeita união do amor de Deus, na medida do possível neste mundo, seria necessário outra maior luz de experiência e de ciência do que a minha. As ditosas almas destinadas a chegar a este estado de perfeição devem, de ordinário, afrontar trevas tão profundas, suportar sofrimentos físicos e morais tão dolorosos, que a inteligência humana é incapaz de compreendê-los e a palavra de exprimi-los. Somente aquele que por isso passa saberá senti-lo, sem, todavia, poder defini-lo”(4). De modo que, a alma passa por labirintos da vida completamente escuros, muitas vezes sem sentido e sem esperança, contudo, purgará a sua alma através dos sofrimentos, o desapego das coisas mundanas, a acima de tudo o desapego de si mesmo, este é o mais difícil; o que mais custa. Chegando ao ponto de esquecer-se de si mesmo e viver completamente para Deus e para o próximo. Imitar Jesus Cristo para encontrar-se com Deus Pai.

            Essa primeira via; uma purificação da alma que a conduz a uma união com Deus, contudo, deve renunciar a tudo que possui, a todos os apegos, privando-a de todos os apetites, das coisas mundanas. Com certeza, constitui uma noite escura para alma, um tormento e como isso dói. Isso custa muito para a alma que quer caminhar por uma via que leva a uma união com Deus. Oh! Se soubessem as almas inferiores à abundância de graças e de bens espirituais de que se privam, recusando desapegar-se inteiramente do desejo das ninharias deste mundo(5).

É a etapa inicial da alma, trata-se do momento da conversão, onde se exige mais trabalho e cooperação de nossa parte com a graça de Deus. Onde a alma ordena as suas cinco potencias para Deus, que são os seus cinco sentidos.
O cristão nessa etapa passa por um processo de purificação dos sentidos, do entendimento e da vontade. Chegando a uma desnudes espiritual. Renunciando a tudo para alcançar a plenitude em Deus. Afasta-se em primeiro lugar do pecado na sua vida, seja ele mortal ou venial.

         Os meios com que ele usa para chegar à união com Deus são: a purificação dos sentidos, a renunciar todos os gostos desta terra, para chegar a desnudes espiritual por meio da oração discursiva, da vida sacramental, principalmente da Eucaristia, da confissão, da penitência e mortificação dos sentidos. É uma etapa onde a alma começa a desprender-se do que lhe separa de Deus, de si mesmo, é um momento de conversão de um esvaziamento total de si, para que Deus possa preencher este espaço vazio.

          Contudo, é preciso desapegar-se, pois, uma alma que é incapaz de desapegar-se das coisas mundanas, nunca chegará à união com Deus, nunca experimentará o amor de Deus, todavia, ficará eternamente dependente e preza aos prazeres terrenos; como fez o homem rico no Evangelho de São Marcos; contristado com essa palavra saiu pesaroso, pois era possuidor de muitos bens.  É preciso que a alma passe por um processo de mortalidade, é necessário que ela se mortifique das coisas que apartará de Deus. A alma ao se entregar completamente a Deus desapega-se de tudo, vivendo assim, completamente para Deus, tendo um crescimento espiritual. A ama passa por várias etapas da vida para alcançar a etapa final, ou seja, união com o Deus. “Durante a ascensão desta montanha, é necessário reprimir e mortificar, com cuidado incessante, todos os apetites. E tanto mais depressa chagará a seu fim, quanto mais rapidamente isto fizer. Se assim não for, jamais subirá ao cume, por mais virtudes que pratique, pois não as exercita com a perfeição que consiste em ter a alma vazia, nua e purificada de todo o apetite” (6).


            Mas isso leva tempo, é um processo e um caminhar durante toda a vida de cada um; uma luta diária. Uma purificação da alma deve ir matando aquilo que nos afasta de Deus e encaminhando-a a Deus. É impossível ter uma vida santa, uma vida unida a Deus sem se converter, sem mudar de vida, sem purificar o olhar, a mente, as atitudes. Se quisermos uma vida digna diante de Deus é preciso deixar que Deus trabalhe em nós, isso vai custar; muitas lágrimas vão escorrer dos nossos olhos; sem dúvida, mas é um trabalho que Deus está fazendo para nos tornar felizes; não em coisas quimeras, mas encontrar em Deus. 





[1] Cf. SÃO JOÃO DA CRUZ. Obras completas, Pg. 7
[2] Cf. Ibidem, p. 8                                   
[3] Cf. BERARDINO, Pedro Paulo. Itinerário Espiritual, Pg. 17
[4] Cf. SÃO JOÃO DA CRUZ. Obras completas, Pg. 136
[5] Cf. Ibidem, p. 153
[6] Cf. SÃO JOÃO DA CRUZ. Obras completas, Pg.154