Izaias da Silva
Seminário Maria Mater Ecclesiae do Brasil
Para compreender a via purgativa de São João da Cruz, ou seja, essa via
inicial da alma; um caminho
de purificação dos sentidos, dos maus desejos, das vontades que nos levam a nos
afastar do nosso principio original; que é a imagem e semelhança de Deus. Não
se pode deixar de lado um pouco de sua história marcada pela dor e sofrimento.
Ao adentrar no inesperado da fé que conduz cada homem a experimentar o
grande e misterioso poder de Deus que não tritura o homem, mas com um amor e
delicadeza vai norteando o homem à verdadeira liberdade. “São João da Cruz é um místico amadurecido no sol do sofrimento, provado
por Deus através de noites da fé; não compreendido pelos homens” (1).
De fato, um caminho de luta para alcançar a perfeição, de um processo a se
assemelhar com Cristo sempre foi e será incompreensível aos olhos humanos. Mas,
que cada um trás a impressão da experiência. Assim, não se deixa subjugar-se
pelas propostas ou aterroriza-se pelo futuro que muitas vezes nos trás a dor e
o sofrimento. São João da Cruz conheceu uma infância marcada pela pobreza e
miséria. Os seus pés descalços, suas roupas remendadas e, algumas vezes, o
grande silêncio da fome levava-o bem cedo a uma cruel realidade da vida. “Uma existência breve (49 anos),
aparentemente pobre de acontecimentos que podem suscitar curiosidade ou chamar
atenção... É na monotonia da vida, nas feridas abertas pelas incompreensões,
que desabrocha a santidade do primeiro Carmelita Descalço, severo e exigente
consigo mesmo, terno e delicado com os que o circundam” (2).
Tudo o que São João
da Cruz passou, sofreu; não lhe causou nenhum complexo de inferioridade, apesar
dos sofrimentos, uma vida mesquinha, uma vida marcada até mesmo pela fome, mas
que soube unir todo o seu sofrimento ao sofrimento de Cristo, apreendeu por
meio das dores a amar a Cristo. “João sempre viveu a pobreza, a fome e a
humilhação sob o exemplo da família, cristãmente. Inteligente e atento como ele
era, não precisou de muitas palavras para compreender que a existência, diante,
da eternidade, era, como mais tarde diria Teresa de Ávila, uma noite passada em
má hospedaria. Lera isto, muito cedo, nos olhos úmidos de sua mãe, quando, na
igreja paroquial de Fortiveros, via-a diante do Crucificado, na mesma atitude
de Nossa Senhora aos pés da cruz”(3).
Os fatos e acontecimentos da vida desse grande Santo, nós
percebemos o desapego das coisas do mundo e de si mesmo, pra ele essa vida era
puramente passageira e sem sentido; que encontrará o sentido de todo o seu
sofrimento na cruz de Cristo, que sofreu para dar o céu a todos. Deus sempre
usa das coisas mundanas para transformar o homem, pois, Ele tendo usado de toda
a história para transformar no jovem João em um homem completamente maduro
voltado para os tesouros eternos e que duram para sempre. Tendo em mente em
servir somente a Deus, não podendo servir aos tesouros do mundo que são passageiros,
de fato, não deve misturar os tesouros incorruptíveis dos céus com os tesouros
corruptíveis do mundo.
“Para explicar e
fazer compreender a noite escura pela qual passa a alma, antes de chegar à
divina luz da perfeita união do amor de Deus, na medida do possível neste
mundo, seria necessário outra maior luz de experiência e de ciência do que a
minha. As ditosas almas destinadas a chegar a este estado de perfeição devem,
de ordinário, afrontar trevas tão profundas, suportar sofrimentos físicos e
morais tão dolorosos, que a inteligência humana é incapaz de compreendê-los e a
palavra de exprimi-los. Somente aquele que por isso passa saberá senti-lo, sem,
todavia, poder defini-lo”(4).
De modo que, a alma passa por labirintos da vida completamente escuros, muitas
vezes sem sentido e sem esperança, contudo, purgará a sua alma através dos
sofrimentos, o desapego das coisas mundanas, a acima de tudo o desapego de si
mesmo, este é o mais difícil; o que mais custa. Chegando ao ponto de
esquecer-se de si mesmo e viver completamente para Deus e para o próximo.
Imitar Jesus Cristo para encontrar-se com Deus Pai.
Essa
primeira via; uma purificação da alma que a conduz a uma união com Deus,
contudo, deve renunciar a tudo que possui, a todos os apegos, privando-a de
todos os apetites, das coisas mundanas. Com certeza, constitui uma noite escura
para alma, um tormento e como isso dói. Isso custa muito para a alma que quer
caminhar por uma via que leva a uma união com Deus. Oh! Se soubessem as almas inferiores à abundância de graças e de bens
espirituais de que se privam, recusando desapegar-se inteiramente do desejo das
ninharias deste mundo(5).
É a etapa inicial da alma, trata-se do
momento da conversão, onde se exige mais trabalho e cooperação de nossa parte
com a graça de Deus. Onde a alma ordena as suas cinco potencias para Deus, que
são os seus cinco sentidos.
O cristão nessa etapa passa por um processo
de purificação dos sentidos, do entendimento e da vontade. Chegando a uma
desnudes espiritual. Renunciando a tudo para alcançar a plenitude em Deus.
Afasta-se em primeiro lugar do pecado na sua vida, seja ele mortal ou venial.
Os meios com que ele usa para chegar à união
com Deus são: a purificação dos sentidos, a renunciar todos os gostos desta
terra, para chegar a desnudes espiritual por meio da oração discursiva, da vida
sacramental, principalmente da Eucaristia, da confissão, da penitência e
mortificação dos sentidos. É uma etapa onde a alma começa a desprender-se do
que lhe separa de Deus, de si mesmo, é um momento de conversão de um esvaziamento
total de si, para que Deus possa preencher este espaço vazio.
Contudo, é preciso
desapegar-se, pois, uma alma que é incapaz de desapegar-se das coisas mundanas,
nunca chegará à união com Deus, nunca experimentará o amor de Deus, todavia, ficará
eternamente dependente e preza aos prazeres terrenos; como fez o homem rico no
Evangelho de São Marcos; contristado com essa palavra saiu pesaroso, pois era
possuidor de muitos bens. É preciso que
a alma passe por um processo de mortalidade, é necessário que ela se mortifique
das coisas que apartará de Deus. A alma ao se entregar completamente a Deus
desapega-se de tudo, vivendo assim, completamente para Deus, tendo um
crescimento espiritual. A ama passa por várias etapas da vida para alcançar a
etapa final, ou seja, união com o Deus. “Durante a ascensão desta montanha, é
necessário reprimir e mortificar, com cuidado incessante, todos os apetites. E
tanto mais depressa chagará a seu fim, quanto mais rapidamente isto fizer. Se
assim não for, jamais subirá ao cume, por mais virtudes que pratique, pois não
as exercita com a perfeição que consiste em ter a alma vazia, nua e purificada
de todo o apetite” (6).
Mas
isso leva tempo, é um processo e um caminhar durante toda a vida de cada um;
uma luta diária. Uma purificação da alma deve ir matando aquilo que nos afasta
de Deus e encaminhando-a a Deus. É impossível ter uma vida santa, uma vida
unida a Deus sem se converter, sem mudar de vida, sem purificar o olhar, a
mente, as atitudes. Se quisermos uma vida digna diante de Deus é preciso deixar
que Deus trabalhe em nós, isso vai custar; muitas lágrimas vão escorrer dos
nossos olhos; sem dúvida, mas é um trabalho que Deus está fazendo para nos
tornar felizes; não em coisas quimeras, mas encontrar em Deus.
[1] Cf. SÃO
JOÃO DA CRUZ. Obras completas, Pg. 7
[2] Cf.
Ibidem, p. 8
[3] Cf. BERARDINO, Pedro Paulo. Itinerário Espiritual, Pg. 17
[4] Cf. SÃO
JOÃO DA CRUZ. Obras completas, Pg. 136
[5] Cf. Ibidem, p. 153
[6] Cf. SÃO
JOÃO DA CRUZ. Obras completas, Pg.154