terça-feira, 14 de agosto de 2012

A SIMPLICIDADE

São Francisco de Sales


Já que a virtude da simplicidade é muito necessária, devíamos entendê-la bem. Ela pode ser definida como um ato de caridade pura e simples que tem uma só finalidade, ou seja, amar a Deus. Nossa alma é simples quando, em tudo o que dizermos ou desejarmos, não temos outro fim. Esse dom divino não comporta interesse próprio, pois nessa dádiva só há lugar para Deus.

Nosso Senhor mesmo nos explicou a virtude da simplicidade, quando disse a seus apóstolos: “Sede prudentes como as serpentes e simples, como as pombas” (Mt 10.16). Aprende da pomba a amar a Deus na singeleza do coração. Imita não só o amor simples desses pássaros que fazem tudo por seu único companheiro, mas também a simplicidade com que expressam seu amor. Eles não usam manhas engenhosas, mas só cantam suavemente, bastando descansar tranquilidade na presença do companheiro para serem felizes.

Muitas pessoas procuram, com preocupação ansiosa, diversos exercícios e meios para amar a Deus. De forma alguma conseguem estar em paz. Atormentam-se para descobrir a arte de amar a Deus, não sabendo que há uma só, isto é, a de amá-lo. Pensam que um determinado método é indispensável para adquirir esse amor, mas esse só se encontra na simplicidade.

O dom divino inclui todos os meios necessários para obter o amor de Deus na própria vocação. Esse amor deve ser o único motivo. Pois a simplicidade não admite outra preocupação qualquer, por mais perfeita que seja a não ser a de amar a Deus pura e exclusivamente. Além disso, a simplicidade não é contrária à prudência. As virtudes nunca chocam, mas se relacionam intimamente. Esta virtude contradiz a habilidade que origina engano e duplicidade. Estes, por sua vez, nos levam a tentar convencer o próximo de que nossas palavras correspondem ao que sentimos no coração. Isto é totalmente oposto à simplicidade, que exige que o interior deve estar totalmente de acordo com o exterior.

Quando, no entanto, estamos interiormente agitados quando às nossas emoções, não devíamos mostrar isso para fora. Não é contrário à simplicidade manifestar calma exterior nesses momentos. Podemos estar muito perturbados por uma reprovação ou uma contrariedade, mas esse abalo não nos provém da vontade. Todo o tormento se dá na parte inferior da nossa alma. A parte superior não consente, mas aceita e avalia a contrariedade. O amor de Deus exige de nós – após ter reconhecido nossos sentimentos – que os contenhamos.
Será que decepcionamos aqueles que nos vêem e nos consideram virtuosos, enquanto na realidade somos poucos mortificados? Refletir sobre o que os outros pensam ou dizem sobre nós não combina com a simplicidade. Depois de realizar um ato qualquer que julgava importante fazer, a alma simples não pensa mais sobre o assunto. A alma não se deixa distrair do seu único fim, a saber, perseverar no pensamento em Deus exclusivamente, com o fim de amá-lo sempre mais.

Teu bem-estar depende do deixar-te guiar e governar sem reserva pelo Espirito de Deus. Essa é a finalidade daquela verdadeira simplicidade que Nosso Senhor tanto recomenda. Ele diz a seus apóstolos: “Se não vos tornardes com as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus” (Mt 18,3). A alma que alcançou a simplicidade perfeita, só tem um único amor, que se destina a Deus. Nesse amor ela tem somente uma meta: descansar na intimidade com o Pai celeste. Ali, como uma criança que ama, ela deixa todo o cuidado de si mesma ao Pai bondoso, preocupada com nada, senão com essa vida confiante. Nem perde a tranquilidade por desejo algum de virtudes que lhe parecem necessárias. Uma alma assim, na verdade, aproveita cada oportunidade para fazer o bem que encontrar no caminho, mas não corre ansiosamente à procura de maios para aperfeiçoar-se.

Esse exercício de entrega contínua às mãos de Deus engloba a perfeição de todos os outros exercícios por sua simplicidade e pureza absolutas. Enquanto Deus no-lo permitir, não o mudemos.


PASTORISTAS
Contemplari ad Pascendum