Dom Henrique Soares
Auxiliar de Aracajú - SE
Assim diz o Catecismo da Igreja: “Quando a
Igreja celebra a Eucaristia, rememora a Páscoa de Cristo, e esta se torna
presente: o sacrifício que Cristo ofereceu uma vez por todas na cruz torna-se
sempre atual: Todas as vezes que se celebra no altar o sacrifício da cruz, pelo
qual Cristo nossa Páscoa foi imolado, efetua-se a obra da nossa redenção. Por
ser memorial da páscoa de Cristo, a Eucaristia é também um sacrifício. O
caráter sacrifical a Eucaristia é manifestado nas próprias palavras da
instituição: ‘Isto é o meu Corpo que será entregue por vós’, e ‘Este cálice é a
nova aliança em meu Sangue, que vai ser derramado por vós’ (Lc 22,19s). Na
eucaristia, Cristo dá este mesmo corpo que entregou por nós na cruz, o próprio
sangue que ‘derramou por muitos para remissão dos pecados’ (Mt 26,28)” (Catecismo da Igreja Católica, 1365). A Celebração Eucarística é, portanto, memorial,
isto é, o tornar-se presente, no aqui e no agora da vida da Igreja e da vida de
cada um de nós, daquele único e irrepetível sacrifício que Jesus ofereceu na
cruz. “O sacrifício de Cristo e o sacrifício da
Eucaristia são um único sacrifício: ‘É uma só e mesma vítima, é o mesmo que
oferece agora pelo ministério dos sacerdotes, que se ofereceu a si mesmo então
na cruz. Apenas a maneira de oferecer difere”
(Catecismo, 1367).
Assim, a Eucaristia torna presente,
“presentifica”, o único e irrepetível sacrifício do Cristo salvador; sacrifício
que o Senhor Jesus deu à sua Igreja para que ela o ofereça até que ele venha em
sua Glória. Por isso mesmo, é chamado de sacrifício de louvor, sacrifício
espiritual (porque oferecido na força do Espírito Santo), sacrifício puro e
santo (porque sacrifício do próprio Cristo Jesus). Este santo sacrifício da
Missa leva à plenitude todos os sacrifícios de todas as religiões e,
particularmente, aqueles do Antigo Testamento. Podemos até recordar as palavras
da profecia de Malaquias, na qual Deus prometia a Israel um sacrifício perfeito
ao seu nome: “Sim, do levantar do sol ao seu poente o meu nome
será grande entre as nações, e em todo lugar será oferecido ao meu nome um
sacrifício de incenso e uma oferenda pura” (1,11). Cristo, com seu sacrifício único e irrepetível,
que entregou à sua Igreja para celebrá-lo até que ele venha, ofereceu este sacrifício,
cumprindo a profecia.
Mas, quando a Igreja fala em sacrifício
de Cristo, ela não pensa simplesmente no que aconteceu no Calvário. Toda a
existência humana de Jesus teve um caráter sacrifical. O Autor da Carta aos
Hebreus, falando do Cristo o momento de sua Encarnação, afirma: “Ao entrar
no mundo, ele afirmou: ‘Tu não quiseste sacrifício e oferenda. Tu, porém,
formaste-me um corpo. Holocaustos e sacrifícios pelo pecado não foram do teu
agrado. Por isso eu digo: Eis-me aqui, - no rolo do livro está escrito a meu
respeito – eu vim, ó Deus, para fazer a tua vontade” (Hb 10,5). Jesus viveu a toda sua vida entre nós, desde o
primeiro momento, no amor, no abandono, na obediência, como uma oferta
sacrifical ao Pai para nossa salvação. Toda esta existência sacrifical e
sacerdotal chegou ao máximo no sacrifício da cruz. Ali, naquele acontecimento
tremendo, verificou-se a palavra da Escritura: “Tendo amado os seus que
estavam no mundo, amou-os até o extremo” (Jo 13,1). Assim sendo, quando celebramos a Eucaristia, é
toda esta vida sacrifical, esta vida doada aos irmãos por amor ao Pai, que se
torna presente sobre o altar para a nossa salvação. Mais ainda: como esta
entrega, consumou-se com a resposta do Pai ao seu Filho, ressuscitando-o dentre
os mortos, a Eucaristia é o próprio mistério pascal: no altar, torna-se
misteriosamente presente a existência humana de Jesus inteira: seus dias entre
nós, sua paixão, morte, sepultura, sua ressurreição e ascensão e até mesmo a
certeza da sua vinda gloriosa: “Celebrando, agora, ó Pai, a memória da nossa
redenção, anunciamos a morte de Cristo e sua descida entre os mortos,
proclamamos a sua ressurreição e ascensão à vossa direita, e, esperando a sua
vinda gloriosa, nós vos oferecemos o seu Corpo e Sangue, sacrifício do vosso agrado
e salvação do mundo inteiro” (Oração eucarística IV).
Porque é o sacrifício do próprio
Cristo, Filho de Deus feito homem, numa total obediência amorosa ao Pai por
nós, a Eucaristia é aquele sacrifício perfeito de que falava a profecia de
Malaquias 1,11. É o que afirma a própria liturgia : “Por Jesus
Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, e pela força do Espírito Santo, dais vida e
santidade a todas as coisas e não cessais de reunir o vosso povo, para que vos
ofereça em toda parte, do nascer ao pôr-do-sol, um sacrifício perfeito” (Oração
Eucarística III). A Igreja oferece, pois, este
santíssimo sacrifício, de eficácia e valor infinitos, pelos vivos e pelos
mortos, por crentes e descrentes e até mesmo por toda a criação: “E agora, ó
Pai, lembrai-vos de todos pelos quais vos oferecemos este sacrifício: o vosso
servo, o Papa, o nosso Bispo, os bispos do mundo inteiro, os presbíteros e
todos os ministros, os fiéis que, em torno deste altar, vos oferecem este
sacrifício, o povo que vos pertence e todos aqueles que vos procuram de coração
sincero” (Oração Eucarística IV).
Neste sacrifício perfeito e infinito, a Igreja louva, agradece, suplica, pede
perdão, adora e intercede por si e pelo mundo inteiro, tudo isto unida ao
próprio Cristo, seu Cabeça e Esposo. Por isso, nenhuma outra celebração se
iguala ao sacrifício eucarístico em força, santidade e eficácia.
Celebrar este sacrifício santo nos
compromete profundamente, seja pessoalmente seja como Igreja: “O cálice de
bênção que abençoamos, não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que
partimos, não é comunhão com o corpo de Cristo?” (1Cor 10,16). Segundo estas palavras de São Paulo, participar da
Eucaristia é participar da vida sacrifical de Jesus, é estar dispostos a fazer
de nossa vida uma participação no seu sacrifício, completando em nossa
existência o mistério da cruz do Senhor (cf. Cl 1,24). Em cada Eucaristia, com
Jesus, oferecemos ao Pai a nossa própria vida. Eis como nossa participação no
sacrifício eucarístico nos compromete profundamente. Não poderia participar
desse Altar quem não estar disposto a se oferecer cada dia com Cristo e como
Cristo: “Exorto-vos, portanto, irmãos, pela misericórdia de
Deus, a que ofereçais vossos corpos como hóstia viva, santa e agradável a Deus;
este é o vosso culto espiritual. E não vos conformeis com este mundo, mas
transformai-vos, renovando a vossa mente, a fim de poderdes discernir qual é a
vontade de Deus, o que é bom, agradável e perfeito” (Rm 12,1-2).
Pode-se perguntar de que modo um
acontecimento ocorrido há dois mil anos pode se tornar presente sobre o Altar.
É importante compreender o que significa o “memorial”. Não significa
simplesmente recordação ou memória. Nas Escrituras, memorial é dito zikaron e significa tornar presente, por gestos, símbolos
e palavras, um fato acontecido no passado uma vez por todas. Uma vez ao ano, os
judeus celebravam e celebram ainda hoje a Páscoa, memorial da saída do Egito.
Nessa celebração, ele não somente recordam a passagem da escravidão para a
liberdade, mas tinham e têm a consciência que, participando da celebração,
participam realmente da própria libertação que Deus operara. Tanto isso é
verdade que, ainda hoje, aquele que preside à celebração, diz assim: “Em toda
geração, cada um deve considerar-se como se tivesse pessoalmente saído do
Egito, como está escrito: ‘Explicarás então a teu filho: isto é em memória do
que o Senhor fez por mim, quando saí do Egito’. Portanto, é nosso dever
agradecer, honrar e louvar, glorificar, celebrar, enaltecer, consagrar, exaltar
e adorar a quem realizou todos esses milagres por nossos pais e para nós
mesmos. Ele nos conduziu da escravidão à liberdade, do sofrimento à alegria, da
desolação a dias festivos, da escuridão a uma grande claridade e do cativeiro à
redenção”. E, depois, acrescenta: “Bendito sejas
tu, Adonai, nosso Deus, rei do universo, que nos redimiste, libertaste nossos
pais do Egito, e nos permitiste viver esta noite para participar do Cordeiro,
do pão ázimo e das ervas amargas”.Ora,
é exatamente isso que a Eucaristia é: memorial da Páscoa do Senhor Jesus.
Quando nós a celebramos, torna-se presente no nosso hoje, na nossa vida, na
nossa situação, tudo quanto Jesus fez por nós, que alcança seu cume na sua
morte e ressurreição. Deste modo, a Páscoa do Senhor está sempre presente e
atuante na nossa vida e, através de Jesus e com Jesus, podemos dizer ao Pai
como os judeus dizem: “é nosso dever agradecer, honrar e louvar, glorificar,
celebrar, enaltecer, consagrar, exaltar e adorar a ti, Adonai, Deus e Pai de
nosso Senhor Jesus Cristo!” Então, em cada missa torna-se presente, atuante, o
único sacrifício pascal do Senhor, memorial de sua encarnação, de sua vida
humana, de sua paixão, morte e ressurreição, de sua ascensão ao Pai e do dom do
Espírito que ele nos fez! Resta apenas recordar que tudo isso acontece na força
do Espírito Santo, aquele mesmo Espírito eterno no qual Jesus ofereceu-se ao
Pai como vítima sem mancha (cf. Hb 9,14). É este Espírito Santo que,
transfigurando o pão e o vinho, torna presente sobre o Altar o Cristo morto e
ressuscitado, glorioso, mas trazendo eternamente as chagas da paixão, numa
oferta eterna, que jamais passará. Diz a Encíclica sobre a Eucaristia: “A Igreja
vive continuamente do sacrifício redentor, e tem acesso a ele não só através
duma lembrança cheia de fé, mas também com um contacto atual, porque este
sacrifício volta a estar presente, perpetuando-se, sacramentalmente, em cada
comunidade que o oferece pela mão do ministro consagrado. Deste modo, a
Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para
sempre por Cristo para humanidade de todos os tempos. Com efeito, o sacrifício
de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício. Já o afirmava
em palavras expressivas S. João Crisóstomo: ‘Nós oferecemos sempre o mesmo
Cordeiro, e não um hoje e amanhã outro, mas sempre o mesmo. Por este motivo, o
sacrifício é sempre um só. [...] Também agora estamos a oferecer a mesma vítima
que então foi oferecida e que jamais se exaurirá’. A Missa torna presente o
sacrifício da cruz; não é mais um, nem o multiplica. O que se repete é a
celebração memorial, a « exposição memorial de modo que o único e definitivo
sacrifício redentor de Cristo se atualiza incessantemente no tempo. Portanto, a
natureza sacrifical do mistério eucarístico não pode ser entendida como algo
isolado, independente da cruz ou com uma referência apenas indireta ao
sacrifício do Calvário” (Ecclesia de Eucharistia, 12).
Concluamos com as palavras do Santo
Padre: “Quando a Igreja celebra a Eucaristia, memorial da
morte e ressurreição do seu Senhor, este acontecimento central de salvação
torna-se realmente presente e realiza-se também a obra da nossa redenção. Este
sacrifício é tão decisivo para a salvação do gênero humano que Jesus Cristo
realizou-o e só voltou ao Pai depois de nos ter deixado o meio para dele
participarmos como se tivéssemos estado presentes. Assim, cada fiel pode tomar
parte nela, alimentando-se dos seus frutos inexauríveis. Esta é a fé que as
gerações cristãs viveram ao longo dos séculos, e que o magistério da Igreja tem
continuamente reafirmado com jubilosa gratidão por dom tão inestimável. É esta
verdade que desejo recordar mais uma vez, colocando-me convosco, meus queridos
irmãos e irmãs, em adoração diante deste Mistério: mistério grande, mistério de
misericórdia. Que mais poderia Jesus ter feito por nós? Verdadeiramente, na
Eucaristia demonstra-nos um amor levado até ao “extremo” (cf. Jo 13,1), um amor
sem medida” (Ecclesia de Eucharistia, 11).