Darlan Santos
INTRODUÇÃO
A presença de Cristo na vida espiritual não é um elemento secundário, mas essencial; Cristo é o centro de gravitação de toda a vida cristã, o princípio o meio e o fim de toda santidade. Usaremos aqui as palavras de São João Eudes para demonstrar esta profunda realidade cristológica: “O primeiro e principal, ou melhor, o único objeto do olhar e da complacência do eterno Pai, é seu Filho Jesus. Digo único; porque assim como o Pai quis que seu Filho Jesus sejatudo em todas as coisas (Ef 1.23), e que todas as coisas subsistem nele e por ele (Col 1.17), conforme a palavra do apóstolo, assim vê e ama todas as coisas nele, e em todas as coisas não vê nem ama senão a Ele. E assim como, segundo a doutrina do apóstolo, fez todas as coisas nele e por ele (Col 1.16), assim quis também que todas as coisas fossem feitas para ele (Hb 2.10). E como escondeu nele todos os tesouros da sabedoria e da ciência (Col 2.3) da sua bondade e beleza, da sua glória e felicidade, e de todas as suas perfeições, assim também Ele mesmo por várias vezes nos anuncia solenemente que todas as suas complacências e delícias neste Filho único e bem-amado (Mt 3.17).
Também para nós, à imitação do Pai, a quem como nosso Pai devemos seguir e imitar, há de Jesus ser o único objeto do nosso espírito e do nosso coração. Devemos ver e amar tudo nele, e em todas as coisas não devemos ver nem amar senão a Ele. todas as nossas ações devem ser feitas nele e para ele. Havemos de pôr nele toda a nossa alegria, ter nele o nosso paraíso. Por isso nos pede que estabeleçamos nele a nossa morada: Permanecei em mim (Jo 15.4). E o seu discípulo amado repetirá por duas vezes este mandamento: Permaneceu nele, meus filhinhos (Jo 2.28). E São Paulo, para nos confirmar nisto mesmo, assegura-nos que não há condenação para aqueles que permanecem em Jesus Cristo (Rm 8.1).
Mas quando digo que Jesus deve ser o único objeto do nosso amor, não excluo o Pai nem o Espírito Santo. Pois se Jesus nos assegurou que quem O vê, vê o Pai (Jo 14.9), também aquele que fala dele fala do Pai e do Espírito Santo; e aquele que O honra e ama a Ele, honra e ama igualmente seu Pai e seu Espírito Santo; e aquele que o contempla ao mesmo tempo contempla o Pai e o Espírito Santo.
I. CAPÍTULO:
A VIDA DE CRISTO NA MEDITAÇÃO
Na Imitação de Cristo seu autor nos aconselha a centrar-nos na pessoa de Cristo como caminho de meditação constante quando diz: Seja, pois, o nosso principal empenho meditar sobre a vida de Jesus Cristo. A doutrina de Cristo excede todas as doutrinas dos santos e quem tiver o seu espírito há de encontrar o maná nele escondido. Quem quiser, pois, compreender e saborear toda a plenitude das palavras de Cristo deve esforçar-te em conformar com Ele toda a própria vida.
A meditação da vida de Cristo sempre foi um dos elementos constitutivos da busca do conhecimento de Cristo, de seus sentimentos, virtudes e atitudes e mistérios. Os Santos padres em todos os seus escritos fazem várias referências com relação à necessidade desta meditação que segundo São Francisco de Sales na sua Obra clássica Teotimo, a meditaçãoconsiste numa certa atividade da fantasia, pela qual nos representamos o mistério que queremos meditar, como se os acontecimentos se estivessem sucedendo realmente ante os nossos olhos, a esta atividade da fantasia deve seguir-se a do entendimento, que se chama meditação e que consiste em aplicá-lo às considerações capazes de elevar a vontade a Deus e afeiçoá-las as coisas divinas.A meditação da vida de Cristo e de todos os seus mistérios é o primeiro passo do desenvolvimento da vida espiritual, por ela conhecemos os movimentos internos de Cristo e os externos possibilitando assim o amor como fruto desta experiência de fé. Diz São Francisco de Sales na Filoteia: Aconselho-te a oração do espírito e de coração e, sobretudo, a que se ocupa da vida e paixão de Nosso Senhor: contemplando-o sempre de novo, pela meditação assídua, tua alma há de por fim encher-se dele e tu conformarás a tua vida interior e exterior com a sua. Deste modo nós, unindo-nos com Nosso Senhor, pela meditação, e notando as suas palavras e ações, os seus sentimentos e inclinações, aprenderemos por fim, com a sua graça, a falar com ele, a agir com ele, a julgar como ele e a amar como ele. A assídua meditação da vida de Cristo leva o cristão a uma identificação de sua pessoa a tal ponto de afirmar como São Paulo: Já não sou eu que vivo, mas é Cristo que vive em mim. Minha vida presente na carne vivo-a pela fé no Filho de Deus, que me amou e seentregou si mesmo por mim. (Gl 2,19-20). É uma vida vivida não tanto seguindo os passos de Cristo, mas vivendo sua vida enxertada nele e Ele em nós, é uma experiência de fé na própria pessoa de Cristo. O fruto da meditação da vida de Cristo é a vivência da mesma, de forma conformada a própria condição de vida de cada homem que é chamado a esta identificação.
Dentre as escolas de espiritualidade cristã a Francesa que tem seu fundador o cardeal Pierre de Bérulle enfatiza e centraliza a pessoa de Cristo como o modelo único da vida cristã por consequência do batismo e seus mistérios como o meio apropriado para o processo de conformação; destaca as principais virtudes de Cristo: humildade, mansidão, conformidade com a vontade do Pai, sacrifício e oblação de si mesmo.
II. CAPITULO
A HUMANIDADE DE CRISTO NA MEDITAÇÃO
A humanidade de Cristo foi um dos grandes temas cristológicos, acarretando várias consequências e divergências na própria espiritualidade cristã. No século XVI este tema foi modelo de muitas reflexões, sobretudo na França e na Espanha. A escola francesa de espiritualidade com Pierre de Bérulle, Charles de Condren, Jean-Baptiste Noulleau, Jean-Jacques Olier, São João Eudes, São Vicente de Paulo, São Francisco de Sales e na Espanha com a reformadora do Carmelo Santa Teresa de Ávila. A experiência mística de Santa Teresa a levou a descobrir que a Humanidade de Cristo é a chave para entrar na sua divindade, por isso mesmo isso foi motivo de grandes sofrimentos para a santa.
Vejamos muito detalhadamente seu modo de orar com relação a Jesus Deus-Homem, ou seja, atendendo à humanidade de Jesus, de quem foi tão devota, mas sem separar nunca a humanidade da divindade, já que a humanidade é como o apoio para entrar na claridade e formosura da divindade. Quando meditava em Jesus, em qualquer passo de sua vida que contemplasse, fazia-o dentro de si mesma e junto a ela, e nesta companhia íntima, muito a sós, atendia, escutava, refletia, fazia pedidos e propósitos que se lhe ocorriam, sempre com amor e silêncio, agradecida de que a permitisse estar com Ele, algumas vezes com afeto, outras árida e seca, como Deus lhe dava. Santa Teresa mesmo escreve: Procurava o mais que podia prazer a Jesus Cristo, nosso bem e senhor, presente dentro de mim e este era meu modo de oração: Se pensava em algum passo, representava-o no interior... (Vida 4,8).
Esta união em amor com Deus, com a companhia de Jesus como testemunho amoroso, com a sensação da viva presença de Deus enchendo sua alma e comunicando-se com ela, é o altíssimo fruto maduro da meditação com que nos princípios começou a contemplar a Jesus sozinho dentro de sua alma. Por isso insiste tanto Santa Teresa em trazê-lo presente: É grande coisa enquanto vivemos e somos humanos, prazer a Deus Humanado diante de nós. Há menester ter arrimo o pensamento para o ordinário... E no meio dos negócios e perseguições e trabalhos, quando não se pode ter tanta inquietação, e em tempo de aridez, muito bom amigo é Cristo, porque o vemos homem e com fraquezas e trabalhos, serve-nos de companhia. (Vida 22,9-10).
Cristo é vida sobrenatural e enche de vida quantos procurarem levar-lhe dentro de si mesmos ou junto a si. E acaba de dizer-nos Santa Teresa o muito conveniente que é trazer sua imagem e não para leva-la no pescoço pendurada, e sim para falar com o Senhor e pedi-lhe sua ajuda, oferecer-lhe nossos trabalhos, nossos afetos e nossa pessoa. A conversação com o Senhor na oração meditativa e durante o dia, desperta o afeto, aviva a fé e não deixa o Senhor de nos dar amorosa resposta num maior amor. A humanidade de Cristo na meditação é um elemento que a espiritualidade cristã foi ao longo dos tempos sendo de suma importância, pois sendo Cristo o centro da vida espiritual faz-se necessário não somente a meditação da sua divindade, mas também de sua humanidade.
A humanidade de Cristo também como caminho de meditação está presente nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola na terceira semana. Estas meditações tem como finalidade o conhecimento da vida de Cristo para chegar acontemplação do amor. O fruto da meditação é o cultivo das virtudes e o amor divino. A vida cristã consiste nesta constante meditação dos mistérios, das virtudes, dos sentimentos e das atitudes de Cristo para chegarmos à transformação nele. Somos as mãos, os pés, o coração do Deus salvador, porque "Deus não tem mais mãos que as nossas", como falara Santa Teresa d'Ávila.
Ao longo da história da espiritualidade os cristãos foram buscando formas de meditar sobre a realidade da Humanidade de Cristo, mas sobretudo seus sofrimentos como a prática da Via Sacra, este exercício trouxe e traz ainda seus méritos; foi nesta escola que se formaram muitos santos como São Paulo da Cruz, Santa Teresa Benedita da Cruz, São João da Cruz, São Luiz de Montfort e tantos outros. Meditar sobre a realidade da Humanidade de Cristo traz frutuosos resultados de santidade na vida do cristianismo, isso não só entendeu Santa Teresa de Ávila, mas todos os apaixonados da Cruz.