sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

MENSAGEM DE PERFEIÇÃO SACERDOTAL NOS ESCRITOS E FIGURA DE SÃO FRANCISCO DE SALES

Félix Álvarez Herrera
Las grandes escuelas de espiritualidad en relación con el sacerdocio




O QUE NOS ENSINA COMO SANTO

 Nota comum de todos os padres e doutores da Igreja, porém que em São Francisco de Sales tem relevo singular é a harmonia perfeita entre sua vida e sua doutrina. Sua doutrina, em efeito, não parece ser senão o esplendor de sua vida, e esta não parece ter outra razão de ser senão a de dá objetividade ao seu ensinamento. Examinemos este ponto mais em concreto.

Comumente assinalam os autores como traços característicos na fisionomia espiritual de São Francisco de Sales:

Seu santo otimismo, sua ilimitada confiança em Deus, sua humildade, sua simplicidade, sua doçura, seu zelo pastoral, expressões que tem relação com a viva fé e acendrada caridade de onde as procede.

O santo otimismo que mantém São Francisco de Sales em paz imperturbável em meio da atividade difícil de sua vida apostólica, nasce de sua vivíssima fé no amor com que Deus tem amado os homens, amor misericordioso, sempre disposto a perdoar, a reabilitar o pecador arrependido, a acalmar-lo tão generosamente com suas dádivas, que muitas vezes o favorecido se ver obrigado a proclamar feliz a culpa que tem sido ocasião de tão grande misericórdia.

Certamente, todos os atributos divinos são adoráveis, sua sabedoria, sua onipotência, sua soberania, sua majestade, sua justiça, que por todos eles se louve o Senhor; porém entre todas estas grandezas ou aspectos da mesma infinita grandeza, a graça mesma inclina os sujeitos a considerar e reverenciar determinadamente algum ou alguns destes atributos.
A contemplação de São Francisco de Sales se fixa de preferência na divina Bondade, no amor infinito, e este amor o ver compendiado todo, conforme a definição sublime que dá de Deus o apóstolo São João: “Deus é amor...”: Deus caritas est.[1].

Sobre este conceito fundamental descansa toda a teologia deste santo Doutor: esta será a base e tema constante de sua pregação e de seu ensinamento escrito, que bem pudera compendiar-se nesta frase do mesmo São João: “Amemos a Deus, porque Ele nos amou primeiro” [2].

Por isso os erros que vem contra esta verdade fundamental da fé cristã (pessimismo luterano, sombria predestinação calvinista, jansenismo) desconcertam notoriamente este providencial arauto da caridade e do amor que é São Francisco de Sales que parece ferir-lo de morte. Recordemos da crise tremenda, sem dúvida a maior de sua vida, que estas asseverações pessimistas causaram nele, até pôr em grave perigo sua saúde e sua vida; recordemos também da paz e alegria que o inundaram ao receber, prostrado diante de uma histórica imagem da Santíssima Virgem, a grande luz sobre o Deus de amor e seus desígnios de misericórdia, radiante luz que num momento dissipa suas dúvidas pavorosas e que adiante o acompanha sempre em sua vida interior, nas obras que empreende e nos luminosos escritos com que anuncia e difunde por todas as partes, tão consoladora doutrina.

E, claro está, se se trata de um Deus que em excesso de amor se entrega aos homens na Encarnação, na Eucaristia, na Cruz; se os desígnios deste Deus de amor não são desígnios de morte, senão de misericórdia e de vida; se este Deus nos há criado como Pai a uma vida divina, convertendo-nos em seus filhos e herdeiros; se sua inesgotável liberdade oferece a todos os homens copiosos auxílios que fazem não só possível, senão fácil e amável o caminho da salvação; se, finalmente, não nos deixa de alertar-nos com promessas esplêndidas de compartilhar com nós na sua glória sua felicidade e sua vida, com tal que a terra que saibamos comportar nos como bons filhos seus, muito justo é, muito lógico e natural, que o homem corresponda a esta atitude tão nobre e divina convertendo em amor a Deus sua vida inteira.

Neste plano magnífico que se desenrola diante de nossos olhos a Revelação de ambos os Testamentos, se compreende muito bem que uma viva fé e a filial atitude que a ela segue eliminem de raiz todo pessimismo e estabeleçam ao crente fervoroso no otimismo, na confiança e na paz.

As outras características da espiritualidade de São Francisco de Sales, a saber:


A confiança em Deus, revelado aos homens como “Pai das misericórdias e Deus de toda consolação”; a humildade de coração como única atitude que convém a nossa pequenez e a infância espiritual em que nos constitui a graça; a simplicidade que afasta as complicações e vãs aparências, e simplifica o caminho para ir a Deus reduzindo-o a unidade do amor, do verdadeiro amor provado na união das vontades; a alegria no serviço divino, a amabilidade no trato, a sociabilidade cristã, a doçura de caráter e as outras pequenas virtudes que tanto recomenda o Santo doutor em seus escritos, depois de haver-las recomendado com o constante exemplo de sua vida, todas estas pequenas ou grandes virtudes, em seu conceito e prática cristã, são flores e frutos de um talo comum: a divina caridade, talo fecundo que por ela circulam as seivas amargas do próprio vencimento, do esforço generoso e da superação de nós mesmos num ímpeto perseverante de ascensão no caminho de Cristo.

Cada uma destas características, cada uma destas virtudes, na forma em que São Francisco de Sales as praticou e segundo aparecem tão finamente descritas em seus livros, bastaria por si só para identificar a tão amável santo; porém, se se quer um retrato completo dele, precisa recordar a forma concreta como realizou ao longo de sua vida como ideal elevado.
Essa forma concreta foi precisamente a de pastor de almas. 

Segundo Santo Tomás de Aquino[3], o estado de maior perfeição que existe na Igreja é o de pastor de almas, plenamente realizado nos bispos por razão de sua consagração ao apostolado. E, efetivamente, segundo a palavra de Cristo, só será bom pastor o que estive disposto a dar a sua vida pelas ovelhas[4], é dizer, o que possui em seu espírito a caridade heróica e, pela mesma, a perfeição. “A caridade incipiente – disse Santo Agostinho – é uma santidade adiantada; uma grande caridade é uma santidade, e uma caridade perfeita é uma perfeita santidade[5]”.

São Francisco de Sales praticou como sacerdote, como missionário e como bispo aquele amor de Deus e as almas, que tanto o exalta em seus escritos. Sua vida esteve totalmente consagrada ao rebanho de Cristo. Marchou sempre diante de suas ovelhas, precedendo-as não só por razão de sua autoridade e oficio, senão pela excelência de suas virtudes e o atrativo irresistível de seus exemplos. Seus escritos eminentemente pastorais, e suas inumeráveis cartas (mais de 20.000), de prudente governo e de direção espiritual a maior parte delas, deixa ver ao leitor até que ponto era conhecido aquele pastor que conhecia as suas ovelhas e até que ponto era por elas conhecido, amado, venerado e obedecido. A solicitude apostólica com que a cada uma delas atendia se deixa naquele depoimento seu, ao que não falta certo gracejo peculiar no Santo: “Uma só alma seria uma diocese bastante para um bispo”.

A parte visível da tarefa realizada por ele pode calcular-se pela magnitude dos resultados obtidos, entre outros a conversão de 70.000 calvinistas fanáticos na região dos Chablais, recuperada para a Igreja por seu zelo missionário; porém o conjunto do trabalho que levou a cabo durante toda a sua vida e que através de seus escritos há continuado depois de sua morte, é simplesmente incalculável, não somente por sua profundidade em tantas almas que receberam sua direção ou estiveram sob sua influência, senão também por sua extensão, que já, em vida do Santo e mais ainda depois de sua morte, tem alcançado em vários aspectos e dimensões ecumênicas.
Jamais retrocedeu diante dos perigos, ameaças e dificuldades de todo gênero que os impusera, e durante seus anos de missionário nos Clablais chegaram ao extremo, atentaram contra sua vida, senão que a tudo se enfrentou com ânimo valente, com serenidade imperturbável, com caridade heróica, preferindo pôr-se ao alcance do lobo devorador antes que abandonar a ver destroçadas suas ovelhas.

Em uma palavra, São Francisco de Sales foi uma imagem do Bom Pastor, Jesus Cristo, e por isso não é estranho que havia despertado entre os que o conheceram a fundo e o trataram de perto, uma admiração e veneração extraordinárias, princípio do culto que pronto havia de tributar-lhe a Igreja.

Um trabalho necessariamente breve como o presente não pode conter a abundância de testemunhos e documentos com que se podia provar cada um destes acertos, em particular o último, e assim nos contentaremos em transcrever o valioso testemunho de um grande santo que intimamente travou diálogos e que compartilhou em grande medida seu espírito, São Vicente de Paulo, do qual são as seguintes palavras: “Tive a honra de gozar da intimidade de Dom Francisco de Sales. O fervor deste servo de Deus resplandecia em suas íntimas conversações; os que gozavam delas ficavam pendentes de seus lábios. Repassando suas palavras em espírito, sentia tal admiração por elas, que me via inclinado a considerá-lo como o homem que melhor havia reproduzido o Filho de Deus vivendo na terra”[6].


SUAVITER ET FORTITER

Em São Francisco de Sales, doutor e modelo de perfeição cristã, brilha singularmente a FORTALEZA em todos os aspectos mencionados. Digo singularmente, porque a fortaleza tem nele o modo e os suaves matizes do acabado e perfeito: a SERENIDADE, que é a tranqüilidade estável na ordem interior; a DOÇURA, que é a demonstração externa do domínio pelo de si mesmo; a SIMPLICIDADE, que em seu sentido mais alto, é a simplificação no amor; a BONDADE, que é a flor da preciosa caridade e luminosa transparência do reinado da mesma no coração do Santo.

TRADUÇÃO: Seminarista Darlan dos Santos



[1] 1 Jo 4,16
[2] 1 Jo 4,19
[3] ST II-II, q. 184, a. 6
[4] Jo 10,11
[5] Santo Agostinho, De natura et gratia, cap. 70, n.84
[6] P. Coste, S. Vicent de Paul, t, I, p. 158