quinta-feira, 23 de agosto de 2012

DECÁLOGO DA SANTIDADE

São Francisco de Sales


O “Decálogo para alcançar a santidade” foi composto na Bélgica pelos Missionários de São Francisco de Sales, que se aplica não só para os consagrados, mas para todos os homens e mulheres que desejam amar e servir a Deus no próximo.


1.ANTES DE TUDO, BUSCAR AGRADAR A DEUS: “Este é o centro da minha alma e o polo inamovível, em torno ao qual geram todos os meus desejos e todos os meus movimentos”.

2.TUDO POR AMOR, NADA A FORÇA: “Esta é a regra geral de nossa obediência: é necessário fazer tudo por amor, e nada a força. É necessário amar a obediência que temer a desobediência... os deixo o espirito de liberdade, o que exclui a imposição, o escrúpulo e a agitação”.

3.NADA PEDIR, NADA RECUSAR: “Permanecer nos braços da Providencia, sem determos em nenhum outro desejo senão o querer o que Deus quer de nós”.

4. PARTIR DO INTERIOR PARA O EXTERIOR: “Nunca aprovei o método dos que para formar o homem, começam pelo seu exterior: o porte, as roupas, os cabelos. Parece-me melhor começar pelo interior... pois sendo o coração o manancial das ações, estas serão como seja o coração... aquele que leva Jesus em seu coração, manifestará em todas as suas ações exteriores”.

5. ANDAR TRANQUILARMENTE, COM UMA DOCE DILIGÊNCIA: “A pressa, a agitação não servem para nada; o desejo de uma vida espiritual é bom, mas deve ser sem agitação”. “A cura que se faz tranquilamente sempre é mais segura”, “Devemos ser o que somos e sê-lo bem, para honrar o artífice de quem somos obra”.

6. PENSAR SÓ NELE “HOJE DE DEUS”: “Pensemos em fazer bem nossas ações hoje, e quando chegar o dia de amanhã, também ele se chamará hoje, e então pensaremos nele”.

7. COMEÇAR DE NOVO CADA DIA: “Cada dia devemos começar nosso progresso espiritual, e pensando bem nele, não nos estranharemos de encontrar em misérias. Não há nada que já esteja totalmente concluído; é necessário voltar a começar com bom ânimo”.

8. APROVEITAR TODAS AS OCASIÕES: “Suportai com doçura as pequenas injustiças, as pequenas incomodidades, as perdas de pouca importância que ocorrem cada dia. Estas pequenas ocasiões vividas com amor conquistarão o Coração de Deus e o fará todo vosso”.

9. ESTAR ALEGRES: “Ir adiante com alegria e com o coração mais aberto que se possa; e se não podemos ir sempre com alegria, vamos sempre com confiança”.

10. VIVER EM ESPIRITO DE LIBERDADE: “Eu não sinto nenhum escrúpulo por deixar meu regulamento de vida quando o requer o serviço das minhas ovelhas... Deus me concede a graça de amar a santa liberdade de espirito assim como odiar a dissipação e a libertinagem”. 


sábado, 18 de agosto de 2012

ASSUNÇÃO DA IMACULADA VIRGEM MARIA

São Francisco de Sales


Diz-nos o jovem Bispo em seu grande sermão de 15 de agosto de 1602, falando da Assunção em Saint-Jean-de-Grève. 

"Nossa senhora morreu pela morte de seu Filho, pois Ela não tem outra vida que a de seu Filho: “não vivia senão a vida do seu Filho, como poderia, pois, morrer de outra morte que da Sua? Na verdade eram duas pessoas, Nosso Senhor e Nossa Senhora, mas um só coração, em uma só alma, em um só espírito, em uma só vida, posto que se o laço da caridade unia tão fortemente os cristãos da primitiva Igreja que São Lucas assegura que não tinham senão um só coração e uma só alma (At 4, 32), com quantas mais razões podemos dizer e crer que o Filho e a Mãe, Nosso Senhor e Nossa Senhora, não eram senão uma só alma e uma só vida”! (VII, 443). Isso fazia São Paulo dizer: “Eu vivo, mas não eu, é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20). Só o amor de Maria era maior que o do apóstolo: porque se viveu de sua vida, também morreu de sua morte” (VII, 443-444).

“Certamente, Nossa Senhora foi ferida e alcançada pelo dardo de dor na paixão de seu Filho no monte Calvário e não morreu naquela hora, mas suportou por longo tempo sua chaga, da qual, por fim, morreu” (VII, 447). O Filho morreu de amor, a Mãe também. Esta chaga de amor a impediu viver na Igreja e trabalhar pela Igreja? Certamente, “seu coração, sua alma e sua vida estavam no Céu".  E como!

"Ela pode continuar vivendo na terra”? (VII, 450). E no entanto, continuou na terra, para que? Cristo era “a luz maior”, a Virgem “a menor”; a grande para presidir o dia, a menor, a noite. Como depois da Ascensão desapareceu a grande luz, “a noite chegou repentinamente, tirando o lugar do dia, porque tantas aflições e perseguições, como tiveram que sofrer os Apóstolos, o que era senão noite fechada? Mas, no meio desta noite havia também uma luz, a fim de que as trevas fossem mais toleráveis, porque a Virgem Maria permaneceu na terra no meio dos discípulos”: “era necessária esta luz, para consolo dos fiéis que se encontravam na noite da aflição e sua permanência aqui, abaixo, lhe deu ocasião de fazer muitas obras boas e por isso podemos dizer: muitas jovens juntaram riquezas, porém Tu superaste a todas” (Pr 31, 29). 

“Esta Santa Arca da Nova Aliança, pois, ficou no deserto deste mundo, debaixo das tendas e pavilhões, depois da ascensão de seu Filho” (VII, 441-442), para consolar, iluminar e confortar os primeiros cristãos. Sua soberana união mística com seu filho, e por seu Filho de Deus não a impediu atuar e servir a comunidade dos discípulos.



dogma da Assunção refere-se a que a Mãe de Deus, no fim de sua vida terrena foi elevada em corpo e alma à glória celestial. Este dogma foi proclamado ex cathedra pelo Papa Pio XII, no dia 1º de novembro de 1950, por meio da Constituição Munificentissimus Deus:
"Depois de elevar a Deus muitas e reiteradas preces e de invocar a luz do Espírito da Verdade, para glória de Deus onipotente, que outorgou à Virgem Maria sua peculiar benevolência; para honra do seu Filho, Rei imortal dos séculos e vencedor do pecado e da morte; para aumentar a glória da mesma augusta Mãe e para gozo e alegria de toda a Igreja, com a autoridade de nosso Senhor Jesus Cristo, dos bem-aventurados apóstolos Pedro e Paulo e com a nossa, pronunciamos, declaramos e definimos ser dogma divinamente revelado que a Imaculada Mãe de Deus e sempre Virgem Maria, terminado o curso da sua vida terrena, foi assunta em corpo e alma à glória do céu".
"A Assunção da Santíssima Virgem constitui uma participação singular na Ressurreição do seu Filho e uma antecipação da Ressurreição dos demais cristãos" (n. 966).



terça-feira, 14 de agosto de 2012

A SIMPLICIDADE

São Francisco de Sales


Já que a virtude da simplicidade é muito necessária, devíamos entendê-la bem. Ela pode ser definida como um ato de caridade pura e simples que tem uma só finalidade, ou seja, amar a Deus. Nossa alma é simples quando, em tudo o que dizermos ou desejarmos, não temos outro fim. Esse dom divino não comporta interesse próprio, pois nessa dádiva só há lugar para Deus.

Nosso Senhor mesmo nos explicou a virtude da simplicidade, quando disse a seus apóstolos: “Sede prudentes como as serpentes e simples, como as pombas” (Mt 10.16). Aprende da pomba a amar a Deus na singeleza do coração. Imita não só o amor simples desses pássaros que fazem tudo por seu único companheiro, mas também a simplicidade com que expressam seu amor. Eles não usam manhas engenhosas, mas só cantam suavemente, bastando descansar tranquilidade na presença do companheiro para serem felizes.

Muitas pessoas procuram, com preocupação ansiosa, diversos exercícios e meios para amar a Deus. De forma alguma conseguem estar em paz. Atormentam-se para descobrir a arte de amar a Deus, não sabendo que há uma só, isto é, a de amá-lo. Pensam que um determinado método é indispensável para adquirir esse amor, mas esse só se encontra na simplicidade.

O dom divino inclui todos os meios necessários para obter o amor de Deus na própria vocação. Esse amor deve ser o único motivo. Pois a simplicidade não admite outra preocupação qualquer, por mais perfeita que seja a não ser a de amar a Deus pura e exclusivamente. Além disso, a simplicidade não é contrária à prudência. As virtudes nunca chocam, mas se relacionam intimamente. Esta virtude contradiz a habilidade que origina engano e duplicidade. Estes, por sua vez, nos levam a tentar convencer o próximo de que nossas palavras correspondem ao que sentimos no coração. Isto é totalmente oposto à simplicidade, que exige que o interior deve estar totalmente de acordo com o exterior.

Quando, no entanto, estamos interiormente agitados quando às nossas emoções, não devíamos mostrar isso para fora. Não é contrário à simplicidade manifestar calma exterior nesses momentos. Podemos estar muito perturbados por uma reprovação ou uma contrariedade, mas esse abalo não nos provém da vontade. Todo o tormento se dá na parte inferior da nossa alma. A parte superior não consente, mas aceita e avalia a contrariedade. O amor de Deus exige de nós – após ter reconhecido nossos sentimentos – que os contenhamos.
Será que decepcionamos aqueles que nos vêem e nos consideram virtuosos, enquanto na realidade somos poucos mortificados? Refletir sobre o que os outros pensam ou dizem sobre nós não combina com a simplicidade. Depois de realizar um ato qualquer que julgava importante fazer, a alma simples não pensa mais sobre o assunto. A alma não se deixa distrair do seu único fim, a saber, perseverar no pensamento em Deus exclusivamente, com o fim de amá-lo sempre mais.

Teu bem-estar depende do deixar-te guiar e governar sem reserva pelo Espirito de Deus. Essa é a finalidade daquela verdadeira simplicidade que Nosso Senhor tanto recomenda. Ele diz a seus apóstolos: “Se não vos tornardes com as crianças, de modo algum entrareis no Reino dos céus” (Mt 18,3). A alma que alcançou a simplicidade perfeita, só tem um único amor, que se destina a Deus. Nesse amor ela tem somente uma meta: descansar na intimidade com o Pai celeste. Ali, como uma criança que ama, ela deixa todo o cuidado de si mesma ao Pai bondoso, preocupada com nada, senão com essa vida confiante. Nem perde a tranquilidade por desejo algum de virtudes que lhe parecem necessárias. Uma alma assim, na verdade, aproveita cada oportunidade para fazer o bem que encontrar no caminho, mas não corre ansiosamente à procura de maios para aperfeiçoar-se.

Esse exercício de entrega contínua às mãos de Deus engloba a perfeição de todos os outros exercícios por sua simplicidade e pureza absolutas. Enquanto Deus no-lo permitir, não o mudemos.


PASTORISTAS
Contemplari ad Pascendum




sexta-feira, 10 de agosto de 2012

ORAÇÃO DA ALMA AO BELO PASTOR


Onde apascentas, ó bom pastor, que carregas nos ombros todo o rebanho? (pois uma é a ovelha, a natureza humana que puseste sobre os ombros). Mostra-me o lugar da quietude, leva-me à erva boa e nutritiva, chama-me pelo nome, e assim, eu que sou ovelha, ouvirei tua voz; e por causa de tua voz, dá-me a vida eterna. Mostra-me a mim o amado de minha alma (Ct 1,6 Vulg.).

 Chamo-te com esta expressão, porque teu nome supera todo outro nome e todo entendimento e nem a natureza racional toda inteira pode dizê-lo ou compreendê-lo. Por isto teu nome, pelo qual se conhece tua bondade, é o bem-querer de minha alma para contigo. Como não te amara a ti que amaste minha alma, embora ainda manchada, a tal ponto que deste a vida pelas ovelhas que apascentas? Impossível imaginar maior amor que o trocar tua vida por minha salvação.

 Ensina-me onde apascentas (cf. Ct 1,7). Encontrando o campo saudável, tomarei o alimento celeste; porque quem dele não se nutre pode entrar na vida eterna. Correrei à fonte, beberei da água divina que tu proporcionas aos sedentos. Igual à fonte, deixas correr água de teu lado, veio aberto pela lança; para quem beber, ela se tornará fonte de água a jorrar para a vida eterna (Jo 4,14).

 Se me apascentares deste modo far-me-ás deitar ao meio-dia, quando, dormindo logo na paz, repousarei na luz sem sombras. O meio-dia não tem sobra, o sol cai a pino; nesta luz, fazes deitar aqueles que alimentaste, ao pores teus filhos contigo no quarto. Ninguém será considerado digno deste repouso meridiano, se não for filho da luz e filho do dia. Quem se separa igualmente das trevas vespertinas e matutinas, quer dizer, de onde começa e de onde termina o mal, está no meio-dia e, para nele deitar-se, ali o colocará o sol da justiça.

 Mostra-me, pois, como repousar e ser apascentada e qual é o caminho para a quietude meridiana. Não aconteça que, escapando-me da guia de tua mão, pela ignorância da verdade, venha a reunir-me com rebanhos estranhos aos teus.
 Falou assim, solícita pela beleza que lhe veio de Deus e desejosa de entender de que modo e para sempre a felicidade existe.


quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Catequese de Bento XVI sobre São Francisco de Sales


Queridos irmãos e irmãs

“Dieu est le Dieu du coeur humain” [Deus é o Deus do coração humano] (Trattato dell’Amore di Dio, I, XV): nessas palavras aparentemente simples, colhemos a marca da espiritualidade de um grande mestre, sobre o qual desejo falar-vos hoje, São Francisco de Sales, Bispo e Doutor da Igreja. Nascido em 1567 em uma região francesa de fronteira, era filho do Senhor de Boisy, antiga e nobre família da Savoia. Viveu entre dois séculos, o XV e o XVI, trazendo consigo o melhor dos ensinamentos e conquistas culturais do século que findava, reconciliando a herança do humanismo com a inclinação em direção ao absoluto, própria das correntes místicas. A sua formação foi muito acurada; em Paris, fez os estudos superiores, dedicando-se também à teologia, e, na Universidade de Pádua, fez os estudos de jurisprudência, como desejava seu pai, e concluiu-os de modo brilhante, com a láurea em utroque iure em direito canônico e direito civil. Na sua harmoniosa juventude, refletindo sobre o pensamento de Santo Agostinho e São Tomás de Aquino, teve uma crise profunda que o levou a se interrogar sobre a própria salvação eterna e sobre a predestinação de Deus a seu respeito, sofrendo como verdadeiro drama espiritual as principais questões teológicas do seu tempo. Rezava intensamente, mas a dúvida o atormentou de modo tão forte que, por algumas semanas, chegou a ficar quase que completamente sem comer e dormir. No ápice da provação, dirigiu-se à igreja dos Dominicanos, em Paris, abriu o seu coração e rezou assim: "Aconteça o que acontecer, Senhor, tu que tens tudo na tua mão, e cujas vias são justiça e verdade; seja o que for que tu tenhas estabelecido para mim...; tu que és sempre justo juiz e Pai misericordioso, eu te amarei, Senhor [...], te amarei aqui, ó meu Deus, e esperarei sempre na tua misericórdia, e sempre repetirei o teu louvor... Ó, Senhor Jesus, tu serás sempre a minha esperança e a minha salvação na terra dos vivos" (I Proc. Canon., vol I, art 4). Aos vinte anos, Francisco encontrou a paz na realidade radical e libertadora do amor de Deus: amá-lo sem nunca pedir nada em troca e confiar no amor divino; não questionar mais o que fará Deus comigo: eu o amo simplesmente, independentemente de o quanto me dá ou não me dá. Assim encontrou a paz, e a questão da predestinação – sobre a qual se discutia naquele tempo – resolveu-se, porque ele não buscava mais aquilo que podia ter de Deus; amava-o simplesmente, abandonava-se à Sua bondade. E isso será o segredo da sua vida, que transparecerá na sua obra principal: o Tratado do amor de Deus.

Vencendo as resistências do pai, Francisco seguiu o chamado do Senhor e, aos 18 de dezembro de 1593, foi ordenado sacerdote. Em 1602, torna-se Bispo de Genebra, em um período em que a cidade era fortaleza do Calvinismo, tanto que a sede episcopal encontrava-se "exilada" em Annecy. Pastor de uma diocese pobre e atormentada, em uma paisagem montanhosa da qual conhecia bem tanto a dureza quanto a beleza, ele escreve: "[Deus] o encontrei cheio de doçura e suavidade entre as nossas mais altas e ásperas montanhas, onde muitas almas simples o amavam e adoravam em toda a verdade e sinceridade; e veados e camurças corriam de lá para cá entre os gelos assustados para anunciar os seus louvores" (Lettera alla Madre di Chantal, outubro de 1606, em Oeuvres, éd. Mackey, t. XIII, p. 223). E, todavia, o influxo da sua vida e do seu ensinamento sobre a Europa da época e dos séculos sucessivos parece imenso. É apóstolo, pregador, escritor, homem de ação e de oração; comprometido em realizar os ideais do Concílio de Trento; envolvido na controvérsia e no diálogo com os protestantes, experimentando sempre mais, para além do necessário confronto teológico, a eficácia da relação pessoal e da caridade; encarregado de missões diplomáticas em nível europeu, e de tarefas sociais de mediação e reconciliação. Mas, sobretudo, São Francisco de Sales é guia das almas: do encontro com uma jovem mulher, a senhora de Charmoisy, buscará inspiração para escrever um dos livros mais lidos na idade moderna, a Introdução à vida devota; da sua profunda comunhão espiritual com uma personaliza excepcional, Santa Giovanna Francesca di Chantal, nascerá uma nova família religiosa, a Ordem da Visitação, caracterizada – como desejou o santo – por uma consagração total a Deus vivida na simplicidade e humildade, no fazer extraordinariamente bem as coisas extraordinárias: "... desejo que as minhas Filhas – ele escreve – não tenham outro ideal senão aquele de glorificar [Nosso Senhor] com a sua humildade" (Lettera a mons. de Marquemond, junho de 1615). Morreu em 1622, aos 55 anos, após uma existência assinalada pela dureza dos tempos e pela fadiga apostólica.

Aquela de São Francisco de Sales foi uma vida relativamente breve, mas vivida com grande intensidade. Da figura deste Santo, emana uma impressão de rara plenitude, demonstrada na serenidade da sua pesquisa intelectual, mas também na riqueza dos seus afetos, na "doçura" dos seus ensinamentos que tiveram um grande influxo sobre a consciência cristã. Da palavra "humanidade" ele encarnou diversas acepções que, tanto hoje como ontem, esse termo pode assumir: cultura e cortesia, liberdade e ternura, nobreza e solidariedade. Na aparência, tinha algo da majestade da paisagem em que viveu, conservando também a simplicidade e a natureza. As antigas palavras e imagens em que se expressava soam inesperadamente, também aos ouvidos do homem de hoje, como uma língua nativa e familiar.

A Filoteia, a destinatária idealizada da sua Introdução à vida devota (1607), Francisco de Sales destina um convite que poderia parecer, à época, revolucionário. É o convite a ser completamente de Deus, vivendo em plenitude a presença no mundo e as obrigações do próprio estado. "A minha intenção é a de instruir aqueles que vivem na cidade, no estado conjugal, na corte […]" (Prefácio à Introdução à vida devota). O Documento com que o Papa Leão XIII, mais de dois séculos depois, o proclamará Doutor da Igreja insistirá sobre esse alargamento do chamado à perfeição, à santidade. Ali é escrito: "[a verdadeira piedade] penetrou até o trono do rei, na tenda dos comandantes dos exércitos, no pretório dos juízes, nos escritórios, nos comércios e até nas cabanas dos pastores […]" (Breve Dives in misericordia, 16 de novembro de 1877). Nascia assim aquele apelo aos leigos, aquele cuidado pela consagração das coisas temporais e pela santificação do cotidiano, sobre as quais insistirão o Concílio Vaticano II e a espiritualidade do nosso tempo. Manifestava-se o ideal de uma humanidade reconciliada, na sintonia entre a ação no mundo e oração, entre condição secular e busca da perfeição, com o auxílio da Graça de Deus que permeia o humano e, sem destruí-lo, purifica-o, elevando-o às alturas divinas. A Teotimo, o cristão adulto, espiritualmente maduro, ao qual endereça alguns anos depois o seu Tratado do amor de Deus (1616), São Francisco de Sales oferece uma lição mais complexa. Essa supõe, ao início, uma precisa visão do ser humano, uma antropologia: a "razão" do homem, precisamente a "alma racional", ali é vista como uma arquitetura harmônica, um templo, articulado em mais espaços, em torno a um centro, que ele chama, juntamente com os grandes místicos, "topo", "ponta" do espírito, ou "fundo" da alma. É o ponto em que a razão, percorridos todos os seus graus, "fecha os olhos" e a consciência torna-se totalmente unidade com o amor (cf. livro I, cap. XII). Que o amor, na sua dimensão teologal, divina, seja a razão de ser de todas as coisas, em uma escala ascendente que não parece conhecer fraturas e abismos, São Francisco de Sales o resume em uma célebre frase: "O homem é a perfeição do universo; o espírito é a perfeição do homem; o amor é a perfeição do espírito, e a caridade a perfeição do amor" (ibid., livro X, cap. I).

Em uma época de intenso florescimento místico, o Tratado do amor de Deus é uma verdadeira e própria summa, e ao mesmo tempo uma fascinante obra literária. A sua descrição do itinerário rumo a Deus parte do reconhecimento da "natural inclinação" (ibid., livro I, cap. XVI), inscrita no coração do homem enquanto pecador, a amar a Deus sobre todas as coisas. Segundo o modelo da Sagrada Escritura, São Francisco de Sales fala da união entre Deus e o homem desenvolvendo toda uma série de imagens de relação interpessoal. O seu Deus é pai e senhor, esposo e amigo, tem características maternas e de zelo, é o sol que mesmo à noite é misteriosa revelação. Um tal Deus atrai a si o homem com vínculos de amor, isto é, de verdadeira liberdade: "porque o amor não tem forçados nem escravos, mas reduz tudo à sua obediência com uma força tão deliciosa que, se nada é tão forte quanto o amor, nada é tão amável quanto a sua força" (ibid., livro I, cap. VI). Encontramos no tratado do nosso Santo uma meditação profunda sobre a vontade humana e a descrição do seu fluir, passar, morrer, para viver (cf. ibid., livro IX, cap. XIII) no completo abandono não somente à vontade de Deus, mas àquilo que a Ele apraz, ao seu “bon plaisir”, ao seu beneplácito (cf. ibid., livro IX, cap. I). No ápice da união com Deus, além dos repentes de êxtase contemplativa, coloca-se aquele refluir de caridade concreta, que atenta para todas as necessidades dos outros e que ele chama de "êxtase da vida e das obras" (ibid., livro VII, cap. VI).

Adverte-se bem, lendo o livro sobre o amor de Deus e ainda mais as outras tantas cartas de direção e de amizade espiritual, aquele conhecedor do coração humano que foi São Francisco de Sales. A Santa Giovanna di Chantal escreve: "[…] Eis a regra da nossa obediência que vos escrevo em letras maiúsculas: FAZER TUDO POR AMOR, NADA POR FORÇA - AMAR MAIS A OBEDIÊNCIA QUE TEMER A DESOBEDIÊNCIA. Deixo-vos o espírito de liberdade, não enquanto aquele que exclui a obediência, porque essa é a liberdade do mundo; mas aquele que exclui a violência, a ânsia e o escrúpulo" (Lettera del 14 ottobre 1604). Não por acaso, na origem de muitas vias da pedagogia e da espiritualidade de nosso tempo, re-encontramos exatamente a marca desse mestre, sem o qual não haveria São João Bosco nem a heroica "pequena via" de Santa Teresa de Lisieux.

Queridos irmãos e irmãs, em uma época como a nossa, que busca a liberdade, também com violência e inquietudes, não deve escapar a atualidade deste grande mestre de espiritualidade e de paz, que entrega a seus discípulos o "espírito de liberdade", aquela verdadeira, no cume de um ensinamento fascinante e completo sobre a realidade do amor. São Francisco de Sales é um testemunho exemplar do humanismo cristão; com o seu estilo familiar, com parábolas que têm às vezes o bater das asas da poesia, recorda que o homem traz inscrita no profundo de si a nostalgia de Deus e que somente n'Ele encontra a verdadeira alegria e a sua realização mais plena.